Média de atrasos de apenas 36 segundos

Para os japoneses, o trem-bala é mais do que uma maravilha tecnológica que resiste à passagem do tempo. O shinkansen — nome oficial do superexpresso — ajudou a transportar o país de volta ao cenário internacional no pós-guerra. Em 1964, Tóquio ainda tinha sua imagem associada aos horrores da Segunda Guerra. Mas às vésperas da abertura das Olimpíadas na capital, naquele mesmo ano, o shinkansen fez sua primeira viagem e o mundo entendeu que o Japão havia mudado.


Começava ali a trajetória dos japoneses rumo ao desenvolvimento que criou uma das maiores potências econômicas da história asiática. A inauguração da primeira rota, entre Tóquio e Osaka, em 1° de outubro de 1964, foi comemorada por multidões nas ruas das duas cidades, separadas por 513km. O trajeto, que antes demorava sete horas, passou a ser feito em quatro, a 210 km/h (hoje a viagem leva pouco mais de duas horas). Desde então, vários modelos de trem-bala foram lançados e já transportaram dez bilhões de passageiros em seu meio século de existência, ligando os principais centros urbanos do Japão, ignorando as dificuldades de um terreno majoritariamente montanhoso e estimulando negócios e turismo. Trens mais velozes surgiram, enquanto outros países lançaram seus próprios veículos de alta velocidade, mas o shinkansen continua sendo um símbolo incomparável de eficiência, conforto e segurança.

Nunca houve um acidente grave envolvendo o trem-bala no Japão. Sua média de atraso é — preparem-se — 36 segundos. Um espetáculo. Em tempos de aeroportos caóticos, aviões apertados e serviços de bordo abaixo da crítica, viajar de shinkansen é uma benção. Não é barato, mas em compensação não tem estresse. Com a passagem na mão (comprar na hora também é fácil, desde que o passageiro evite o horário do rush e feriados), basta chegar 15 minutos antes na estação. É o tempo suficiente para confirmar o horário de partida, achar a plataforma e posicionar-se à frente do vagão marcado no bilhete. O trem sai às 10h13? Pois às 10h11, o veículo — com seu icônico bico futurista — vai chegar para que os passageiros embarquem, silenciosamente, sem empurrões e sem malas bloqueando a passagem. E assim acontece durante o dia todo, em mais de mil viagens diárias pelo arquipélago.

Quando o trem para no seu destino final, uma trupe de funcionárias vestidas com um uniforme cor-de-rosa invade os vagões com seus equipamentos de limpeza para uma faxina em tempo recorde. Elas são conhecidas como “os anjos” e têm pouco mais de cinco minutos para fazer seu trabalho antes que o shinkansen esteja pronto para partir novamente. É uma eficiência tão impressionante que costuma atrair autoridades de outros países interessados em copiar o milagre japonês.

A bordo de um trem-bala, o trajeto de Tóquio à histórica Kioto — parada obrigatória para quem visita o Japão — é um passeio memorável. Nem dá para sentir os 360 quilômetros que separaram as duas cidades. Em duas horas e meia, a viagem, que custa cerca de US$ 140, transcorre sem sustos ou tédio, entre os campos de arroz e casas de madeira que cercam as ferrovias. O Monte Fuji ao fundo dá o toque de cartão-postal.

Quando o vulcão é avistado, uma boa parte dos passageiros se levanta para fotografar a perfeição da montanha, mesmo que já tenha visto essa mesma imagem centenas de vezes. O Fuji, da janela de um trem-bala, é um clássico. Além disso, ninguém passa fome num shinkansen. Todas as estações vendem lanches e refeições prontas (os chamados bento-box), feitos especialmente para os passageiros. Não chega a ser uma experiência digna do Guia Michelin, mas é um programa típico que nenhum turista deveria evitar.

A viagem de Tóquio a Hiroshima, por exemplo, é longa (cerca de cinco horas) e exige distrações gastronômicas. Os japoneses não se acanham: promovem verdadeiros piqueniques no trem — mas tudo sem barulho, sem sujeira, sem confusão, como prega a cultura nacional. O consumo de álcool é permitido, embora tampouco tumultue o ambiente. Viajantes menos preparados não ficam de barriga vazia. O trem-bala tem serviço de bordo (pago). É um carrinho simples, com beliscos e bebidas. Antigamente a comida era servida por moças de quimono. Hoje o traje tradicional foi substituído por uniformes, mas aos olhos ocidentais eles continuam chamando a atenção: as moças parecem saídas de um filme dos anos 60, com tailleur e chapeuzinho azul-marinho. A cada vez que chegam ao fim de um vagão, fazem uma reverência e seguem em frente. É um ritual de polidez que reforça a aura de perfeição do shinkansen.

Como o Japão não gosta de ser superado pela China, já está testando seu trem de levitação magnética, o maglev, que poderá chegar aos 500 km/h. A primeira linha, entre Tóquio e Nagoia, está prevista para 2027. Mas nos trilhos japoneses o futuro já chegou há cinco décadas. Fonte: O Globo


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